Em fevereiro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou que as licitações públicas do país passarão a aceitar a participação de empresas estrangeiras sem sede ou filial no Brasil, medida que passaria a valer já a partir de maio deste ano. Com isso, será aberto um mercado de mais de R$ 50 bilhões para fornecedores e prestadores de serviço de fora do país. O assunto que envolve compras da União, estados e municípios, trouxe muitas dúvidas. Confira alguns esclarecimentos que o BBMNET foi buscar com o professor e advogado Ariosto Mila Peixoto, especialista em licitações.
BBMNET – Como é a participação de empresas estrangeiras hoje em licitações no Brasil?
Dr. Ariosto – No Brasil, há mais de 20 anos, as licitações podem ser nacionais ou internacionais, basta que, no caso de licitações internacionais, fique claro que trata-se de uma concorrência ou um pregão internacional. Se nesses editais não constar a palavra internacional, se tratará de um pregão nacional. Nestes casos, podem participar todas as empresas com sede no país, mesmo aquelas estrangeiras que tenham alguma representação formal aqui ou uma filial. O que o governo pretende agora é que as licitações todas as licitações poderão ter participação estrangeira a partir da metade do ano, ou seja, qualquer pregão, sendo nacional ou internacional, poderia ter o ingresso de empresas estrangeiras.
BBMNET – Como que seria a participação de empresas estrangeiras nas licitações nacionais a partir das novas mudanças?
A – Com a mudança na legislação, as empresas estrangeiras sequer precisariam ter uma sede no BR, elas podem, inclusive, nunca ter vindo ao país e, ainda assim, poderiam participar da concorrência. Mas, na prática, não é bem assim. Mesmo as empresas estrangeiras que queiram participar das nossas licitações, precisam ter, no mínimo, alguma representação legal aqui para que elas recebam os comunicados e informações do órgão licitantes. Além disso, as empresas estrangeiras precisam se cadastrar no Sicaf, que é o Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores, então é importante que elas tenham alguma representação aqui, não ser necessariamente uma filial ou uma sede, mas uma pessoa física ou jurídica que responda por ela no Brasil como um representante legal.
BBMNET – Inevitavelmente, isso gera um aumento na concorrência, mas também diminui a corrupção, correto?
A – De fato, isso vai ampliar muito a competição. Obviamente que, quando você amplia a competição, a possibilidade de corrupção diminui muito, especialmente aquele tipo de corrupção que é restrita a mercados mais concentrados. Então, se eu tenho alguns participantes só no BR e trata-se de um mercado mais concentrado, a chance de uma irregularidade é maior do que quando eu tenho um mercado que o mundo inteiro pode participar. A possibilidade de corrupção é muito menor, é uma questão matemática. Em um mercado mais concentrado é mais fácil o conluio e, em um mercado mais desconcentrado, é mais difícil a prática de corrupção.
BBMNET – Como que isso vai funcionar para licitantes estrangeiros?
A – Na prática, isso vai trazer um trabalho extra para o servidor público, especialmente porque os documentos das empresas de fora virão na língua do país de origem e deverão ter necessariamente uma tradução juramentada, fiel e legítima, e isso também faz com que essa empresa internacional também tenha que conhecer o mercado nacional pois eles precisarão contratar um tradutor para mandar esta documentação e, em alguns países, onde não haja um decreto ou um convênio com o Brasil, será necessário consularizar a documentação, além da própria tradução, ou seja, o consulado do Brasil precisa atestar que aquele documento é legítimo. Para alguns países, quando há algum convênio com o Brasil, esse trâmite não é necessário, mas a tradução sempre será necessária. Também tem uma questão de equivalência. No Brasil, por exemplo, nós temos uma série de impostos, uma série de exigências de documentos fiscais até exaustivas. Em outros países, a documentação é completamente diferente.
BBMNET – E como que fica essa questão para os pregoeiros?
A – Quando o pregoeiro julgar um pregão internacional, ele vai precisar saber, além da legislação nacional, um pouco da legislação do país de origem daquela empresa, porque pode ser, por exemplo, que naquele país, ao invés do Brasil que cobra, digamos, 10 a 15 impostos, pode ser que cobre-se apenas um imposto e tenha-se somente uma única certidão. Então o pregoeiro terá que fazer essa análise e ver se essa documentação da empresa estrangeira é equivalente à documentação da empresa brasileira e isso é que traz uma certa dificuldade ao processo, não que ele fique inviável, mas fica mais complexo.
BBMNET – A quem interessa abrir as licitações nacionais para empresas estrangeiras?
A – Acredito que a intenção do ministro Paulo Guedes, é que nas grandes licitações nacionais e de governos feitas pelos ministérios, onde pode ser que haja um relevo, com uma participação importante nos orçamentos da União ou estados, haja um incentivo para que as negociações sejam internacionais para aumentar a competitividade e diminuir possibilidade de atos de corrupção.
BBMNET – Qual é a sua opinião sobre a mudança proposta?
A – Eu quero crer que essa migração não vai ser feita de forma tão simples e automática. Tem uma série de obstáculos e degraus que precisam ser cumpridos obrigatoriamente sob pena de violação até dos princípios constitucionais aqui do Brasil, da isonomia inclusive. Não faz sentido a gente cobrar 50% a 60% de impostos das empresas nacionais e permitir que empresas de países que cobrem somente 10% de impostos possam participar em condições de igualdade. Outro fator são os impostos de importação, se serão válidos ou não pois tudo isso mexe no valor da proposta. Não é tão simples abrir o mercado para o mundo, há uma série de requisitos que não são simples, mas são possíveis.